Adeus ao Rei: Pelé enterrado em Santos

Parecia durar para sempre - tamanho foi o derramamento de amor, reverência e admiração renovada que seu funeral de 24 horas ampliou a noção de tempo: muitas vezes vestido com a camisa do Santos, às vezes com o amarelo do Brasil, torcedores e enlutados desfilaram passando pelo caixão de Edson Arantes do Nascimento. Eles cantaram 'Mil Gols', jogaram flores e beijaram a grama do estádio Vila Belmiro, onde Pelé alcançou o estrelato mundial, tornando-se o maior jogador de futebol de todos os tempos e o primeiro embaixador do Brasil. Do lado de fora da entrada principal do estádio, Clodoaldo e Antonio Lima, lendas do Santos, disseram que nunca mais haveria outro Pelé.

Na semana passada, Pelé faleceu aos 82 anos após uma batalha contra o câncer de cólon e na segunda e terça-feira o Santos fez uma grande despedida do ícone do futebol. Pelé voltou pela última vez à sua amada Vila Belmiro. Aqui o garoto do interior estreou no Santos antes de se destacar no cenário mundial na Copa do Mundo de 1958 na Suécia. Essa vitória marcou a chegada de Pelé e a maioridade do Brasil, país que buscava seu caminho na década de 50. Com aquela vitória, o Brasil também despachou seu complexo de inferioridade da Copa do Mundo de 1950.

E assim, Pelé e o Brasil começaram sua ascensão, defendendo o título em 1962 e caindo em 1966 antes de consolidar suas reputações na Copa do Mundo de 1970. Pelé entrou indefinidamente no panteão dos deuses e o Brasil se tornou o futebol nação. Sua carreira no Brasil seguiu o roteiro do teatro grego: o herói que se levantou, caiu e finalmente triunfou.

Pelé e os brasileiros de 1970 também aproveitaram o momento. Essas imagens granuladas e cromáticas do México permanecem gravadas na mente de todos. Pela primeira vez era o futebol em tecnicolor, acessível ao mundo, com o Brasil no seu melhor. Pelé estava no coração do time – o jogador de destaque no maior time de todos os tempos – e por isso Pelé foi essencial para transformar a Copa do Mundo no que é hoje, um espetáculo televisivo global incomparável e um dos últimos, senão o último, fenômeno cultural que une a humanidade.

Ele foi um pioneiro e o primeiro superstar global genuíno de qualquer descrição. Ele transcendeu o jogo e os esportes. Todos queriam uma pequena parte de Pelé – reis, rainhas, presidentes, chefes de estado, celebridades, astros do rock, fãs, mídia, parasitas e quase todo mundo. Todos atribuíram a ele características que talvez não possuísse. Ao mesmo tempo, isso o tornou uma tela em branco e o ajuste perfeito para uma vida de comerciais e propagandas. Também o deixou sujeito a críticas – por não defender a causa negra e por nunca criticar a ditadura militar. Na fila, Filipe Ferreira rejeitou algumas das críticas, dizendo que Pelé havia mostrado aos negros que eles poderiam ter muito sucesso.

Estar sempre de plantão prejudicou Pelé. No final, alguém se perguntou onde estava Edson? Muitos jogadores de futebol têm dificuldade em separar sua vida de jogador de sua própria pessoa mais tarde na vida. Da Seleção Brasileira de 1970, talvez tenha sido apenas Tostão, um médico depois da carreira no futebol, que conseguiu separar os dois. Foi também a diferença entre Pelé e Maradona – Diego não queria ser Maradona e isso foi parte de sua tragédia. Ele queria dançar, cantar e festejar. Pelé foi o modelo e o homem do estabelecimento, que usurpou Edson – a ponto de Pelé, que se referia a si mesmo na terceira pessoa, se perguntar quem morreria – Edson ou Pelé?

No Santos, ficou claro que Edson havia falecido, mas que Pelé entrou na eternidade. Quem estava na fila – que muitas vezes serpenteava por quarteirões com tempo de espera superior a 3 horas – enfatizou a importância de passar a memória de Pelé para a próxima geração e explicar o que o Brasil perdeu com a morte da lenda do futebol. Eles queriam que este funeral e o cortejo de quatro horas que se seguiram fossem mais do que apenas um último e longo abraço de seu herói, mas sim a confirmação do que todos haviam internalizado: Pelé é eterno.

Fonte: https://www.forbes.com/sites/samindrakunti/2023/01/04/farewell-to-the-king-pel-buried-in-santos/